O COVID-19 trouxe imensos desafios às mais diversas áreas, especialmente às relações de consumo, haja vista as medidas restritivas adotadas pelos governos federal, estadual e municipal. Na educação os impactos não são diferentes, pois dentre as medidas tomadas para o combate da pandemia, o isolamento social resultou no fechamento de escolas, faculdades e cursos em geral. Deixando estudantes de todo o país sem saber quais são seus direitos e obrigações perante os estabelecimentos de ensino. Afinal, trata-se de um cenário grave sem qualquer precedente.
Dúvida que tornou-se recorrente entre pais e responsáveis por alunos é sobre a continuidade do pagamento das mensalidades escolares durante o período da quarentena. Para os consumidores, a resposta é clara! Deve haver descontos diante da suspensão das atividades presenciais nas escolas, haja vista que os serviços não estão sendo prestados na modalidade contratada (presencial). Bem como por conta da redução dos custos com suspensões de contratos, diminuição do consumo de energia, água, alimentos, suprimentos, cortes de fornecedores, dentre outros fatores.
Em contrapartida, as instituições de ensino alegam que o valor da mensalidade deve ser mantido. Os argumentos são o alto investimento em tecnologia para fornecer as aulas à distância e os custos com infraestrutura e pessoal fixos, que representam mais de 75% dos custos totais. Com o objetivo de orientar pais e alunos, a Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul elaborou uma cartilha com respostas para as principais dúvidas em relação às mensalidades escolares, transporte escolar e demais questões que envolvem os contratos de ensino educacional.
Visando regrar a questão, está em tramitação na Assembleia Legislativa o Projeto de Lei 85/2020, que obriga instituições de ensino da rede privada a reduzirem as mensalidades durante a pandemia do novo coronavírus. É previsto que os descontos nas mensalidades sejam dados na mesma proporção em que as instituições diminuírem os custos com pessoal e outras despesas. No entanto, enquanto não temos uma definição legislativa sobre o tema, é importante levar em consideração algumas questões importantes, como atentar para a fase de ensino que o estudante se encontra.
Desse modo, para a educação básica de nível infantil (0 a 5 anos), em creche e pré-escola, a solução é mais complicada, pois não é possível prestar o serviço na forma remota (EAD). A educação presencial é indispensável para essa faixa etária, sendo cabível a suspensão do contrato de ensino até o fim da quarentena ou até mesmo a sua rescisão, haja vista que tal medida inviabiliza a execução integral do serviço contratado. Com relação ao ensino fundamental e médio, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) prevê a possibilidade de ensino a distância. Assim, as instituições de ensino podem se adaptar e fornecer pelo mundo virtual o chamado EAD, não havendo que se falar em suspensão do contrato.
Porém, a impossibilidade de suspensão do contrato não significa dizer que os valores contratados devem ser mantidos, sendo necessário analisar se o serviço ofertado teve diminuição da quantidade e qualidade contratadas. Constatada a diminuição da quantidade ou da qualidade, há motivos suficientes para a revisão da mensalidade, de modo a adequá-la ao fornecimento apresentado, em razão de que fatos supervenientes ao momento da contratação tornaram-no oneroso (art. 6, V, do Código de Defesa do Consumidor).
Ainda, parece justo que as instituições de ensino suspendam as cobranças de qualquer valor complementar ao da mensalidade escolar, tais como alimentação, atividades extracurriculares, passeios, entre outros. Além disso, ofereçam ao consumidor alternativas de negociação para o pagamento das mensalidades, como, por exemplo, maior número de parcelas ou desconto. Muito importante esclarecer que o consumidor somente poderá recusar o ensino à distância na hipótese de não possuir infraestrutura, como tablet, computador ou celular com acesso à Internet. Nesse caso, a instituição pode apresentar como alternativa o respectivo plano de reposição de aulas para o aluno.
O momento delicado que estamos enfrentando requer mais do que nunca que as relações de consumo sejam negociadas e pautadas nos pilares da boa-fé, da transparência e do bom senso. Já que ambos os lados estão sendo afetados diante desta situação inimaginável a que fomos submetidos.
Por Simone Oliveira, advogada especialista em Direito de Família e Direito Civil,
sócia do escritório Oliveira & Riella Advogados Associados
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